segunda-feira, 28 de maio de 2012

Educação em crise *
*ARNALDO NISKIER*
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*O Brasil, em matéria de educação, é uma espécie de doente crônico, cheio de
contrastes. É um panorama altamente preocupante*
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O BRASIL , em matéria de educação, é uma espécie de doente crônico, cheio de
contrastes.
Temos 14 milhões de analfabetos e uma pós-graduação de Primeiro Mundo; o
ensino fundamental foi praticamente universalizado, mas a qualidade deixa
muito a desejar; todos se preocupam com a educação profissional, mas o
ensino médio ainda não encontrou seu caminho (é uma balbúrdia); o ensino
superior pode crescer muito, mas são poucas as instituições de elite; os
cursos de formação de professores são lamentáveis, como são lamentáveis os
salários pagos aos quadros do magistério.
Diversos estudiosos consideram que os cursos de pedagogia são inaptos para
formar bons profissionais.
Faculdades de pedagogia entregam ao mercado de trabalho docentes incapazes
de assumir uma sala de aula e dominar turmas de alunos. Por quê? Porque
muitos professores trazem limitações oriundas de uma educação básica falha.
Cometem erros crassos de ortografia, têm dificuldade na compreensão de
textos e total desconhecimento de conceitos científicos imprescindíveis.
Tais problemas os acompanham pelo curso de pedagogia e saem de lá sem se
livrar deles.
A mentalidade que reina no mundo acadêmico supervaloriza a teoria e
menospreza a prática. O trabalho concreto em sala de aula é colocado no
segundo plano, enfatizando a aplicação de conhecimentos filosóficos,
antropológicos, políticos, históricos e econômicos à educação. A
bibliografia adotada nos cursos ratifica o que ora afirmamos -são autores,
com honrosas exceções, que apresentam temas de ideologias superadas, em
prejuízo da parte referente ao trabalho do professor em sala de aula.
O estágio supervisionado é uma disciplina relegada e, às vezes, até
inexistente. Como aprender a dar aula sem fazê-lo, antes, efetivamente, e
com a devida orientação? Briga-se para pagar o piso de US$ 400 mensais aos
professores de ensino fundamental (por 40 horas semanais) quando o Japão
paga US$ 2.000. Com esse panorama, como duvidar de que a educação brasileira
esteja mesmo em crise? Veja-se o caso presente da discussão em torno do
sistema de cotas. De cinco anos para cá, é assunto dominante nas
universidades. A Câmara dos Deputados colocou mais lenha na fogueira.
Acreditamos que houve aprovação de um projeto altamente discutível. A
reserva de 50% de vagas nas universidades federais para alunos egressos das
escolas públicas apresenta preferências étnicas que são rigorosamente
inconstitucionais.
Vagas serão preenchidas por descendentes de negros, pardos e indígenas na
proporção da população de cada Estado. O cálculo terá por base o censo do
IBGE. Haverá ainda reserva de metade das vagas para estudantes de famílias
com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.
Se a Carta Magna proíbe a discriminação por motivo de raça, não é defensável
o argumento de que se deve impor o movimento contrário. O inciso IV do
artigo 3º da Constituição -a Constituição Cidadã- explicita literalmente
este aspecto: "Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Cotas raciais
não têm amparo legal e, na verdade, camuflam a leniência oficial em relação
à qualidade do ensino público, este, sim, a merecer toda espécie inadiável
de apoio. E tem mais: é uma agressão à autonomia universitária. Frise-se
ainda que a Câmara entendeu que pode aliviar, por meio do novo mecanismo de
cotas raciais e sociais, a obrigatoriedade dos exames de habilitação para o
ensino superior.
Trata-se, na verdade, de uma imposição que, na prática, não funcionará.
O melhor exemplo é o que ocorreu na Uerj, a primeira universidade pública a
adotar o sistema de cotas. São revelações do reitor Ricardo Vieiralves. Dos
1.320 alunos iniciais, concluíram os cursos escolhidos só 350 alunos. Por
motivos diversos, em geral econômicos, houve grande evasão.
Vivemos um tempo difícil em nosso país, fruto também da desordem econômica
mundial. Temos hoje cerca de 20 mil cursos superiores e a maioria deles se
ressente da necessária excelência. Para complicar as coisas, os jovens
desconhecem a chamadas "profissões do futuro", aquelas ligadas à alta
tecnologia, genética e meio ambiente. Preferem os cursos tradicionais,
desconhecendo a saturação que ocorre, sobretudo nos grandes centros urbanos,
em profissões como medicina e direito.
Há uma sedução pelas profissões midiáticas, como publicidade e propaganda,
jornalismo, audiovisual e artes cênicas, que estão entre as dez mais
procuradas, com um pormenor essencial: são aquelas em que ocorre maior
índice de desistências, pois o mercado de trabalho é bastante restrito. A
geração nascida entre 1980 e 1995 é vítima desse equívoco. A era da
interatividade não tem ajudado na escolha profissional adequada. É um
panorama altamente preocupante.
*ARNALDO NISKIER*, 73, professor, jornalista e escritor, é membro da
Academia Brasileira de Letras e presidente do Ciee/Rio.

        

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